quinta-feira, 3 de março de 2011

Face Norte: mitos e verdades

Quem já leu anúncios classificados de imóveis decerto já se deparou com a expressão "face norte", usada como argumento de venda, como se isso fosse necessariamente uma vantagem merecedora de destaque.
Afinal, uma edificação voltada para a face norte é mesmo superior àquelas viradas para as faces sul, leste ou oeste? A resposta curta é: depende.
De fato, no Hemisfério Sul (e quanto mais ao sul, mais acentuadas serão as diferenças), as aberturas ao norte geralmente recebem maior incidência de sol ao longo do ano. O que não é necessariamente bom. Em regiões quentes, naturalmente é desejável controlar a incidência de sol, e ter muitas janelas abertas para o norte pode ser contra producente.
Os "leques" representam a trajetória aparente do sol ao longo do dia, no solstício de verão e no de inverno, em São Paulo, do ponto de vista de um observador no centro da circunferência (o horário de verão foi desconsiderado). No verão o sol forma um ângulo de ~89º com plano horizontal ao meio-dia. No inverno, esse ângulo é de ~43º, o que permite que a luz e o calor penetrem pelas janelas.
A vantagem da face Norte é que ela permite maior incidência do sol quando mais o desejamos - durante o inverno -, pois a direção dos raios solares durante esta estação é mais 'rasante' por volta do meio-dia. No início da manhã e no fim da tarde, a face norte é menos insolada que as faces leste e oeste, respectivamente. Isso vale para aberturas verticais, isto é, portas e janelas instaladas em paredes (que por isso mesmo são as predominantes nas nossas construções), e não as aberturas horizontais em coberturas, tais como domos, skylights e clarabóias. Ao meio-dia de um dia de verão, o sol estará mais próximo da linha vertical (praticamente a pino em São Paulo), portanto tende a aquecer mais as superfícies horizontais, e não terá um ângulo adequado para entrar por janelas verticais (especialmente se a cobertura tiver beirais). Daí se conclui que os skylights, embora sejam um recurso decorativo interessante, devem ser utilizados com parcimônia, pois invertem a situação ideal: recebem muito sol no verão.
Até agora, discutimos a insolação como se a edificação estivesse isolada num terreno plano e descampado, o que é exceção. Os elementos do entorno influenciam - e muito. Prédios altos (ou nem tão altos, mas muito próximos), árvores, e até o relevo do terreno podem mudar completamente o quadro, e a face norte pode acabar sendo a mais escura de todas.
Outra questão a observar é que, com exceção de apartamentos em prédios com muitas unidades por andar, a maioria das edificações tem mais de uma 'face'. Portanto, não faz muito sentido dizer que uma casa ou apartamento é 'face norte'. É mais relevante analisar a direção das aberturas de cada cômodo individualmente, e preferir aqueles cujos ambientes de permanência prolongada, tais como os dormitórios e as salas, sejam corretamente orientados.
E lembre-se que a maioria das fachadas não são rigorosamente orientadas para o norte, sul, leste ou oeste. Elas podem apontar para qualquer um dos 360 graus que formam uma circunferência. Existem as faces 'mais norte' e as 'menos norte'.
Por último, é preciso considerar não só a insolação, mas também as outras funções dos vãos em uma edificação: entrar e sair, ventilar, proporcionar ângulos de visão interessantes, e decorar as fachadas.
Assim, da próxima vez que o corretor tentar justificar o preço maior de um apartamento porque ele é "face norte", desconfie, pois as coisas infelizmente não são tão simples. E não hesite em consultar seu arquiteto, caso tenha dúvidas.

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